Palavra da presidente
Aqui você pode ler os discursos e mensagens da presidente Rita Cortez.
A história sobre a origem das academias é antiga. Nasce em trezentos e oitenta e sete antes de Cristo, no chamado período socrático. Segundo estudiosos, a designação pode ser atribuída a Platão, que resolveu fundar, perto de Atenas, nos jardins dedicados ao herói grego Academos, uma escola livre de qualquer interferência.
As academias atravessaram vários períodos da civilização antiga e, apesar de encerradas as suas atividades em quinhentos e vinte e nove depois de Cristo, por determinação do imperador Justiniano, elas sobreviveram e renasceram no século quinze. Tirando proveito dos bons ventos e das ideias do movimento iluminista, as academias ainda resplandeceram no século dezoito, conhecido como o século das luzes ou o século da filosofia.
Assim, as academias adquiriram maturidade e fama através dos tempos, dos lugares e em diferentes áreas do conhecimento. A mais famosa delas foi a Academia Francesa, que serviu de inspiração para a nossa tradicional e festejada Academia Brasileira de Letras, composta por nomes consagrados no Direito, na Literatura, na Política, e no Jornalismo, como Machado de Assis, Olavo Bilac, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e, mais contemporaneamente, as fantásticas Rachel de Queiroz, Nélida Piñon e Fernanda Montenegro.
No Brasil colônia, várias foram as academias que contribuíram para o desenvolvimento cultural e educacional. A Academia Brasílica dos Esquecidos, dos Renascidos, a Academia Científica do Rio de Janeiro, a Academia Literária, entre outras.
Já na República, o estado do Ceará abrigou a primeira Academia de Letras, seguido por Pernambuco, São Paulo e Juiz de Fora.
Reconhecendo o relevante papel na cultura e na educação jurídica, algumas academias se fazem representar nesta solenidade.
Poetas, filósofos, advogados e professores, um enorme elenco de personalidades nacionais e estrangeiras, transitaram pela história fascinante das academias, incluindo, no Brasil, o Instituto dos Advogados Brasileiros – o nosso quase bicentenário Instituto, hoje liderado por Sydney Sanches e que traz, entre seus membros beneméritos, José Bernardo Cabral, José Geraldo de Souza Júnior, Boaventura de Souza Santos e Eugênio Raúl Zafaroni.
O professor Antonio Carlos Wolkmer ensina que, diferentemente de outras ciências humanas, a história busca a sua verdade dentro de um tempo e um espaço já vividos materialmente. A história dá aos saberes a sucessividade, a historicidade, o lugar e a época, os nomes e as datas. A história se impõe como memória e inventário da trajetória humana, não como montagem lógico-objetivista, mas como processo real de experiências vividas e recriadas. A história nos revela momentos importantes na construção dos pensamentos filosóficos significativos, sendo alguns deles decisivos à evolução da própria existência humana.
Contudo, não vamos nos iludir. Na historicidade das instituições que cuidam do Direito, principalmente das que se dedicam a ser tão somente promotoras do pensamento humanista, estão reproduzidas as ideologias de cada época e de cada lugar.
Falando sobre ideologias e levando em conta os conceitos básicos de Francis Bacon, é importante observar que a chamada ideologia da neutralidade não existe. Não é real. A chamada neutralidade ideológica naturaliza a realidade que o próprio sistema político, social e jurídico elabora e nos impõe.
Juristas, advogados, professores, magistrados, homens e mulheres nas carreiras jurídicas, não podem ficar alheios à realidade, principalmente os que se dedicam às academias jurídicas.
Estamos todos comprometidos com valores, princípios e direitos de ordem constitucional com todo o peso ideológico que carregam. Não dá para ignorar, por exemplo, as profundas desigualdades sociais e a desconstrução das políticas públicas no nosso país.
Repetindo o que disse em artigo recentemente publicado no Estado de São Paulo, em homenagem ao onze de agosto: não podemos ficar imunes diante da violação dos valores e princípios da Constituição Federal e da legislação protetiva dos direitos e garantias fundamentais, da banalização da violência, das tentativas de institucionalização de políticas de ódio, dos orçamentos secretos, das intolerâncias, dos ataques ao meio ambiente, e do desprezo à cultura e à ciência.
O povo brasileiro tem direito à vida, ao trabalho digno e a não passar fome. Isso não pode ser ignorado.
Ideologicamente, diante do quadro político formado no país, nós, democratas, partimos para a defesa do sistema eleitoral brasileiro, afirmando que depositamos toda a nossa confiança nos Tribunais Eleitorais, nas urnas eletrônicas e que é preciso respeitar o resultado eleitoral – seja quem for o candidato eleito.
É um desafio abolir as fronteiras e as desigualdades entre os povos e etnias, nos remetendo à transversalidade e à universalidade dos direitos, principalmente dos direitos humanos. Universalidade que, vale lembrar, tem como premissa a igualdade, não só igualdade em dignidade, mas no valor de todos os seres humanos sem discriminação.
As academias também tendem a assumir determinados objetivos traçados pelas instituições educacionais, artísticas, desportivas e científicas, já que estão vocacionadas para o ensino prático, para a dinamização da arte, da cultura, do desporto e da ciência.
Não é por outro motivo que, apesar do crescente desprestígio imposto por práticas de censura e cortes orçamentários, as instituições universitárias assumem, metaforicamente, a denominação de academias de ensino.
Em outro artigo que publiquei na revista Justiça e Cidadania, citei um sábio provérbio de Caxemira que diz: “Nós não herdamos o mundo dos nossos antepassados, nós o pegamos emprestado dos nossos filhos”.
A chamada visão triunfalista da história, a concepção de que a humanidade anda para frente e de que o futuro será melhor que o presente, infelizmente nem sempre corresponde à realidade dos fatos.
No entanto, saber conjugar os saberes do mundo cultural, político e social, e ajudar a construir o pensamento humanista, é um papel que ganha relevância neste momento em que somos chamados a defender as liberdades, a ciência, a democracia e a cultura de forma geral.
Sendo assim, o compromisso das academias, junto com outras instituições, é o de levar aos seres humanos, sem exceção, os valores da educação. Até porque a educação é o principal elemento de transformação social e como ensina o mestre Paulo Freire, a educação é o que realmente pode mudar as pessoas. E somente as pessoas podem mudar o mundo.
O Direito é uma instituição produzida pela razão humana. Decorre das relações entre as pessoas nos seus respectivos agrupamentos sociais. O elemento central do Direito que iremos cuidar na nossa futura produção acadêmica, o nosso foco no estudo das teorias jurídicas, é, e deverá ser sempre, o ser humano.
Sem o ser humano, falta a matéria-prima do sistema que dá concretude ao Direito. De todas as instituições com origem na inteligência humana, nenhuma possui papel mais importante nas sociedades que o Direito.
Estudar o Direito significa entendê-lo e compreender que é imprescindível, na atual conjuntura, democratizar o conhecimento, as artes e a cultura.
As academias, para além de serem o oráculo do Direito e das liberdades, são sentinelas avançadas da igualdade, da justiça social e da garantia dos direitos fundamentais, que só frutificam num ambiente de legalidade democrática, progresso, paz e liberdade.
A Constituição estabelece que a República Federativa do Brasil é um estado democrático de direito. Desta forma, o Direito, sem a perspectiva democrática, tende a deixar de lado os valores fundamentais da sociedade. Ou seja, se a democracia é posta em risco, todas as instituições jurídicas devem defendê-la.
Por isso, olho para a Academia Carioca de Direito tal como o saudoso orador Carlos Eduardo Bosísio enxergou o IAB, no aniversário comemorado na gestão de Fernando Fragoso.
Disse ele: “Eu não vejo aqui, no IAB, o desfile frívolo das vaidades, no farfalhar de fantasias ajaezadas com plumas e atavios tirados à glória alheia; não vejo aqui uma presumida ou presunçosa elite a buscar o aristocrático distanciamento dos colegas, para fechada em si mesma, quedar-se na admiração recíproca e maravilhada de seus membros. O que eu aqui vejo é o esforço contínuo que vai levando à expansão da voz do Instituto e da sua interlocução com a sociedade e todos os colegas; vejo o atingimento de um público cada vez mais amplo; vejo a organização das caravanas culturais às universidades, e mais e mais em prol da afirmação da nossa ampla presença”.
Sentimos e sabemos que todas as atividades de academias tal qual o IAB, são movidas por um impulso maior do que o simples prazer intelectual e o interesse acadêmico no estudo e na construção do Direito.
O notável e querido Bosísio traduziu o que está, ou deveria estar, no âmago da nossa alma: a paixão pela liberdade, pela igualdade e pela justiça.
Estou consciente que é preciso colocar a nossa jovem Academia Carioca de Direito a serviço do estado democrático de direito, para que ela democratize, de forma solidária e generosa, o conhecimento, fazendo-o chegar não só aos advogados e advogadas do Rio de Janeiro, mas a toda a sociedade brasileira.
Este é o compromisso que assumo.